quarta-feira, 22 de abril de 2015

Ó Cidade, Cidade…



Ó Cidade, Cidade…


Havia de sul a norte
Prisão política, tortura e morte.
Saía o desnorte à rua
Do sol nascer ao pôr da lua.

Em revolução de Abril florida
Foi para a rua a Cidade incontida.

Agora, tantos anos depois passados,
São estes os anos não imaginados
De Cidade livre formalmente
Mas amordaçada discretamente…

Cidade amordaçada por nós,
Mesmo por quem antes,
Com e sem avantes,
Com a convicção de na aurora vencer
Ousou lutar e a bandeira erguer.

Pobre de ti, agora, ó Cidade,
Que vives, que nos fazes viver,
Neste mundo diluído,
Confuso,
Politicamente correcto,
Difuso,
Que bem convém,
Incerto,
Onde tudo é nada,
Onde nada é tudo…

Onde estão, ó Cidade,
Pátria minha, liberdade,
Os Princípios e os Valores que te geraram,
Que em sonho de Abril desabrocharam,
Que são a semente, a flor, o fruto
E de novo a semente do cravo em flor?

Já reparaste, ó Cidade,
Pátria minha, igualdade,
Que os Princípios são os que estão
No Verbo, no princípio, como em S. João?
E já reparaste que os Valores
São o que perenemente vale,
Mantendo-se, sem princípio nem fim,
Fazendo de um homem o Homem?
E já reparaste também que as coisas
Verdadeiramente sábias, fortes e belas
São sempre simples?
Tão simples…

Lembras-te,
Por exemplo tu, Albert,
Da tua incrivelmente simples
Fórmula da energia e da massa? 
Não, meu velho Albert,
Não me refiro à massa de hoje,
Que essa não cria energia,
Apenas dependência, dependências...

Dependências que por inércia nos matam
E te matam bem dentro de ti, ó Cidade,
No teu próprio princípio,
Criando ao mesmo tempo
Enormes deveres,
Grandes devedores e maiores poderes.
E uma enorme riqueza e uma imensa fome...
E esta tristeza envergonhada
Com sal chorado aumentada…

Ó Cidade, Cidade…

Estás, estamos, no meio da ponte
Sem conhecer do saber a certa fonte. 
Ontem fugiste para a frente, inconsciente.
Agora parece que te queixas, muito doente...

Que agora não fujas para trás,
Renegando no teu próprio ser
Os Princípios e os Valores de se ser,
Amordaçando-nos bem dentro de nós,
Ficando tão tristes e tão sós
E tanto atrás!

Ó Cidade, Cidade…

Sê tu
E sê livre, ó Cidade,
Pátria minha,
Terra materna da fraternidade!

Seremos livres
E seremos a Liberdade,
Dentro de ti, ó Cidade!


José Rodrigues Dias, Traçados Sobre Nós, Chiado Editora, 2011.


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