quinta-feira, 30 de abril de 2015

Daninhas…


Daninhas…


De um lado para o outro
Escarifico a terra húmida
Da chuva que só agora veio,
Sempre vem o que tem que vir…,
Mesmo que tarde o homem diga,
Tardego o ano e o cultivo…

Revolvo a terra
Em desajeitados passos
De aprendiz,
Meio cruzados,
Perpendiculares deveriam ser,
Eficazes são pela perseverança...

Arranco as mil coloridas ervas,
Em mil pedacinhos as desfaço,
Quase a pensar as amaldiçoo,
Não, não sou pessoa de mal…,
Assim as enterro
Como cinzas,
Mortas…

Sempre renascem…


Évora, 2012-05-10

José Rodrigues Dias in A Terra de Duas Línguas II, Editora Lema d'Origem, pp 82-83, 2013.

quarta-feira, 29 de abril de 2015

O mundo na minha escola primária




O mundo na minha escola primária


Eu gostava muito da porta da minha escola primária: era de cantaria e redonda em cima. Era uma escola só para meninos; havia outra escola só para meninas. Havia muitos meninos e muitas meninas. Alguns andavam descalços. Não havia electricidade na terra e não havia televisão. Telefone havia. Lembro-me do telefone número 4. Havia poucos rádios e eram grandes, da gente rica. Trabalhavam a pilhas. Quando acabavam as pilhas ficavam sem saber as horas certas. Mas as horas eram todas boas. Eram as horas dadas pelo sol e pela lua, quando não havia névoas. Quando havia, ou quando chovia muito, que Deus a dava, não fazia diferença. Um dia nascia depois de outro dia e o mesmo acontecia com as noites. Eram sempre alternados. Também havia as horas dadas pela barriga. Essas eram as horas piores, com fome.

Notícias quase não havia em Talhas, nem era preciso. Quando alguém morria tocava o sino. Tocava de maneira diferente consoante o morto era homem ou era mulher. Se o morto era de outra terra, a notícia lá chegava e logo se espalhava.

Era assim o mundo. O mundo estava todinho ali na minha escola, no saber da senhora professora e no mapa dependurado por um fio numa parede da sala de aula ao pé do quadro. Um dia calhou cair com o ponteiro a forçar o Mondego a passar pela terra dos doutores. “Meninos, poucos podem ser doutores, mas têm que estudar todos muito para serem homens”, dizia a senhora professora, nós todos em silêncio. Também lá estava na parede um retrato. Era dum governador, que a gente ali na terra não conhecia bem, que a gente não precisava. Bastava o senhor regedor. As festas eram sempre no verão, o Natal era a seguir à consoada e a Páscoa o senhor Padre dizia, logo a seguir ao Domingo de Ramos. Os ramos eram raminhos de oliveira e era em latim a missa aos domingos e nos dias-santos. Ao entrar na igreja, os homens tiravam o chapéu dos domingos e dias-santos. Benziam-se à entrada com a água benta da pia. As mulheres ficavam na parte de trás da igreja.

Água era a das fontes, que era fresca mas pouca no verão, e não se podia gastar muita água para lavar as casas para a festa. E também ficava longe e os cântaros pesavam nos quadris. As necessidades eram feitas na loja dos animais e no campo, tudo muito natural. Era bom o campo, com vinhas e oliveiras. As pitas andavam em liberdade na rua. Quando era o tempo, havia os figos, as alfaces, os pepinos, os feijões, etc. Foi a minha professora que me ensinou a usar o “etc.”. Ensinava-nos muito coisa a senhora professora. Também tinha uma régua. A mão era certinha. Erros ninguém tinha.

Gostei muito da minha escola e da minha professora. Ensinou-me a ler, a contar e a escrever. As contas e os problemas eram muito difíceis. E ensinou-me também a aprender. Tive sorte com a minha escola e com a minha professora. Por acaso eram duas professoras. Gostei das duas. Lembro-me delas.

Um dia quis ter uma escola igual à minha. Hoje vendem as escolas.

Hoje já não há meninos nem meninas, mesmo todos juntos a brincar juntinhos aos crescidinhos. Nem escolas. Há outras réguas. Também não há gente. Há lixo. Dizem que é da cidade. Tanto campo que havia! Ah, lembro-me também que a senhora professora dizia que havia uma província toda planinha que era o celeiro de Portugal, cheiinha de trigo. Mas dizia a senhora professora também que lá havia fome. Isso eu nunca entendi bem. Mas ela sabia.

Parece que agora quase tudinho mudou. Do Portugal do mapa só vejo um risco grosso junto ao mar. Sem barcos. Ou com outros barcos. Desapareceu quase todinho. Deve ser da minha vista já cansada. É assim a vida.

Só vejo uma coisa que se mantém: o mundo, esse, continua dependurado por um fio. Por outro fio. Cairá?


José Rodrigues Dias, Braços Abraçados, Tartaruga Editora, 2010.

terça-feira, 28 de abril de 2015

O casal



O casal


Nós somos o amor do tempo da idade do ferro,
Aqui no silêncio pleno em amor de casal arfando,
Aqui no escuro puro com os braços se abraçando,
Até este tempo de início de tempo de desenterro.

Nós somos os avós insuspeitos do amor de Inês
Que nunca o tempo, um qualquer tempo, desfez!


José Rodrigues Dias, Traçados Sobre Nós, Chiado Editora, 2011.

segunda-feira, 27 de abril de 2015

Metade de lágrima



Metade de lágrima


Comovido pela ternura da tua doce mensagem
E pela negrura de oposta imagem,
Ofereço-te como flor
Metade de uma lágrima
Meada de prazer e dor:
A metade sem sal,
A parte doce;
Só a metade sem sal,
Como se flor fosse!

Ofereço-te como flor
Essa metade toda com doçura;
Eu fico com a metade de toda a agrura!


J. Rodrigues Dias, Poiesis, vol. XIX, p. 78, Editorial Minerva, 2010.

domingo, 26 de abril de 2015

Acordar



Acordar

  
Deixaste o campo abandonado,
Onde bebeste do cálice da Vida
E comeste do Pão com amor semeado.
Deixaste a Luz do Sol, das estrelas, da Lua,
Com seus naturais encantos e mistérios
Em dias límpidos e noites de sonhos livres
Sem imaginar viver um dia sem o ar da liberdade.

Foste. Livre ou obrigado, foste!

Encontraste-te em cidade sem identidade, perdido,
Em cidade sem sítio onde começa nem acaba.
Procuraste, atarantado, o norte que não descortinaste.
No que te parecia ser o raiar de um novo dia,
Sem saberes por vezes se sonhavas ou deliravas,
Procuraste o nascer do Sol que não encontraste.


Cansado, prostrado, suado, ao fim de cada duro e longo dia,
Procuraste o pôr-do-sol que antes, tranquilo, tanto admiraste!
Agora, enraivecido, em nenhum dia o pôr-do-sol acontecia.
Aquele pôr-do-sol, com que o sonho ainda hoje te adormece,
No findar de cada dia, deleitado, jamais encontraste.
Encontraste espessos mantos sem saberes de quê,
Nem porquê, e que culpa tu tinhas, que mal praticaste,
Envolvendo-te o corpo, cobrindo o universo,
Enevoando-te o pensar do já perturbado pensamento.
Lembras-te, com intensidade ou apenas só vagamente,
Daquela luz tépida da noite, ora difusa ora intensa,
Em noite de luar, com sombras de nuvens vaporosas 
Viajando livres com o vento, soltas no doce luar.

Acorrentado, lembras-te livre em mundos transparentes,
Em noites claras de luar e de estrelas em campos sem findar.
Com suores, olhas a luz dos tiros rasgando noites sem luar
E estremeces no aclarar das noites pelo brutal incendiar.

É hora de acordar!
É a hora de voltar!


José Rodrigues Dias, Braços Abraçados, Tartaruga Editora, 2010.

sábado, 25 de abril de 2015

Abril, aquele dia…



Abril, aquele dia…


Antes, ameaças de um parto
de tempo há muito feito,
enfim, de madrugada o parto…

De manhã para o Técnico parto
logo cedo de comboio e de metro,
da estação de comboio do Rossio
à do metro dos Restauradores
nem um só eco de um silvo frio
de canhões em espera ali tão perto…

Eram as munições feitas de flores
as de todos os canhões,
de cravos vermelhos, seus odores…

Praças e ruas coloridas de cantores,
encanto plural de pássaros
em canto liberto de antigos temores…

Era limpo aquele dia
de ditadores,
canto novo de alegria…

Moribunda, morria,
à rua
a morte já não saía…

Naquele dia
a vida amanhecia,
outro o dia…


José Rodrigues Dias, Abril, 40 Anos, APE, Associação Portuguesa de Escritores, Âncora Editora, pp. 103-104, 2014.

quinta-feira, 23 de abril de 2015

Livro da Vida



Livro da Vida


Reflecte sobre tudo o que aprendeste,
Mesmo sobre o que já esqueceste por inútil ser,
E sobre o que sem penumbra reaprendeste
Com a pureza dos netos no andar do dia,
Sementes tuas germinadas a florescer,
E olhando os astros naquela tranquilidade
Da luz da feminina Lua que tão doce irradia,
Sente a cadeia de homens fazendo a Vida,
Caminhando em livre cadeia, em harmonia!

Então, de sábio seres,
Reescreve os livros escritos,
Ensina-os com os teus saberes,
Apurados os saberes e aprumados,
E escreve, então, o livro simples da Vida!


José Rodrigues Dias, Braços Abraçados, Tartaruga Editora, 2010.

quarta-feira, 22 de abril de 2015

Ó Cidade, Cidade…



Ó Cidade, Cidade…


Havia de sul a norte
Prisão política, tortura e morte.
Saía o desnorte à rua
Do sol nascer ao pôr da lua.

Em revolução de Abril florida
Foi para a rua a Cidade incontida.

Agora, tantos anos depois passados,
São estes os anos não imaginados
De Cidade livre formalmente
Mas amordaçada discretamente…

Cidade amordaçada por nós,
Mesmo por quem antes,
Com e sem avantes,
Com a convicção de na aurora vencer
Ousou lutar e a bandeira erguer.

Pobre de ti, agora, ó Cidade,
Que vives, que nos fazes viver,
Neste mundo diluído,
Confuso,
Politicamente correcto,
Difuso,
Que bem convém,
Incerto,
Onde tudo é nada,
Onde nada é tudo…

Onde estão, ó Cidade,
Pátria minha, liberdade,
Os Princípios e os Valores que te geraram,
Que em sonho de Abril desabrocharam,
Que são a semente, a flor, o fruto
E de novo a semente do cravo em flor?

Já reparaste, ó Cidade,
Pátria minha, igualdade,
Que os Princípios são os que estão
No Verbo, no princípio, como em S. João?
E já reparaste que os Valores
São o que perenemente vale,
Mantendo-se, sem princípio nem fim,
Fazendo de um homem o Homem?
E já reparaste também que as coisas
Verdadeiramente sábias, fortes e belas
São sempre simples?
Tão simples…

Lembras-te,
Por exemplo tu, Albert,
Da tua incrivelmente simples
Fórmula da energia e da massa? 
Não, meu velho Albert,
Não me refiro à massa de hoje,
Que essa não cria energia,
Apenas dependência, dependências...

Dependências que por inércia nos matam
E te matam bem dentro de ti, ó Cidade,
No teu próprio princípio,
Criando ao mesmo tempo
Enormes deveres,
Grandes devedores e maiores poderes.
E uma enorme riqueza e uma imensa fome...
E esta tristeza envergonhada
Com sal chorado aumentada…

Ó Cidade, Cidade…

Estás, estamos, no meio da ponte
Sem conhecer do saber a certa fonte. 
Ontem fugiste para a frente, inconsciente.
Agora parece que te queixas, muito doente...

Que agora não fujas para trás,
Renegando no teu próprio ser
Os Princípios e os Valores de se ser,
Amordaçando-nos bem dentro de nós,
Ficando tão tristes e tão sós
E tanto atrás!

Ó Cidade, Cidade…

Sê tu
E sê livre, ó Cidade,
Pátria minha,
Terra materna da fraternidade!

Seremos livres
E seremos a Liberdade,
Dentro de ti, ó Cidade!


José Rodrigues Dias, Traçados Sobre Nós, Chiado Editora, 2011.


terça-feira, 21 de abril de 2015

Liberdade



Liberdade



Não és livre!
Não és!
Prendem-te!

Como é difícil a sadia e livre ousadia,
Por ser tomada por perigosa heresia,
Por maior que seja a tua sinceridade
No criticar de uma podre hipocrisia!

Como é difícil o exercer da liberdade
E fácil ser a cinzenta e oculta cobardia
Na apatia de não se ser livre em cada dia!

Não, sou livre!
Sou!
Desprendo-me!

Penso livre
No livre pensamento!

Sim, sou livre!
Sou!
Sou livre!


Sou Liberdade! 
                

José Rodrigues Dias, Braços Abraçados, Tartaruga Editora, 2010.
                  

segunda-feira, 20 de abril de 2015

Sonho



Sonho


Amanhã talvez mudes, Amiga!
Mas hoje não deixes que te mudem,
Que te mudem o sonho em Abril florido…
O sonho que agora sonhas inebriada
Como em sono de menina quase acordada…
Não, não deixes!
Sonha, sonha, sonha… Sempre!

Enquanto o mundo te deixar,
Fica assim o tempo que puderes a sonhar
E alimenta assim a alavanca de sonho meu
Mesmo sendo de tons diferentes do teu…
Quando para outro lado do sonho passares,
Se passares, ou se te passarem,
Se por outros caminhos então andares,
Imagino que sentirás pena deste teu sonho ter acabado,
Se em ti o belo e o puro tiverem tristemente em deserto secado…

Sim, Amiga, é provável que também em ti
Este sonho acabe, que se esfume em nada,
Ou em quase nada…
Só tu, então, o saberás!

Precavida, guarda sempre uma réstia do teu sonho,
Da tua aurora que dela te irás recordar
Em madrugada de frio acordada…
Guarda bem uma réstia dessa luz,
Em teu secreto tesouro, só teu,
Um raio só que dessa luz seja,
Desta tua aurora em tons de sol a chegar…
Ficará como um teu porto ainda de partidas
Mesmo que só já de sombrios sonhos em estreitas
Caminhadas em águas já poluídas e agitadas…

Sabes, Amiga, não haverá tempo belo como o do
Sonho jovem e puro acordado a pensar tudo mudar,
Mesmo nada mudando,
Mudando o mundo…

Olha, Amiga, é ainda hoje
A luz dos meus sonhos que me vai encaminhando…

Sonha, Amiga…


José Rodrigues Dias, Traçados Sobre Nós, Chiado Editora, 104 pp, 2011.

domingo, 19 de abril de 2015

Cardos



Cardos



Rosas não são, senhor!
São cardos,
Que são pardos
Estes tempos de penhor.



José Rodrigues Dias, Traçados Sobre Nós, Chiado Editora, 2011.

sábado, 18 de abril de 2015

Sagres



Sagres


Naquela ponta de Sagres, a ocidente,
Tão pequenino, embrenhado no sagrado,
Olhando o Astro a entrar naquele profundo mar,
Como poderia o Homem imaginar a Terra a rodar
À volta do Sol, se ele ali o via, deslumbrado, soterrado,
A entrar no mar da Terra e no outro dia, do outro lado,
De novo o via em amarelo a desabrochar a oriente?...

Quem tal não diria, ali, naquele poente,
Ali, naquele místico pôr-do-sol, em queda milenar,
Que outra coisa, Galileu, qualquer outro movimento,
Não seria uma louca e perigosa heresia? …

Então, qualquer um, lúcido, em paz profunda, ali não via
O que toda aquela santa gente ali sentia,
O que tão simples e puro ali acontecia?...

Só não compreenderia um louco…
Louca a Terra…
Terra louca,
Que a Terra roda
Quando roda a cabeça de um louco…


José Rodrigues Dias, Braços Abraçados, Tartaruga Editora, 2010.


sexta-feira, 17 de abril de 2015

Pôr-do-sol



Pôr-do-sol


Se o Sol fosse a medida de todas as coisas,
Como um ser nada seria o homem na praia em pôr-do-sol…
Como o Sol diria que a mulher seria igual ao homem
E igual seria a criança brincando na praia aos relógios de Sol…
Se o Sol os três diferentes olhasse, como ele assim escolheria
A criança brincando pura ao Sol sem o pensar em sombra…

Mas não!
O homem diz-se a medida de todas as coisas…
Das coisas que são, enquanto são,
Das coisas que não são, enquanto não são…

E há homens, pequeninos homens, inebriados que estão
Por um simples raiar dourado efémero do Sol,
Que pensam que são uma medida maior
Que a medida dos outros homens…
Oh Sol, que pequeninos homens que eles são
Assim em ser nada ao te ver assim neste pôr-do-sol…


José Rodrigues Dias, Poiesis, Antologia de Poesia e Prosa Poética Contemporânea, vol. XIX, Editorial Minerva, 2010.

quinta-feira, 16 de abril de 2015

União



União


O silêncio profundo,
Purificado pelo saber do tempo
Desde o início do mundo,
É realçado pelo respirar contido das almas.
As palavras simples e tão densas,
Calmas, muito calmas,
São amplificadas por aquele silêncio,
Um silêncio límpido de culto
Como o de um imponente templo,
Como o templo do rei Salomão.
As mãos que se apertam
Na sua absoluta nudez
Com uma força suave
Estão puras, sem sinal nem sombra de mal.
Do centro, onde os três pilares alumiam,
Irradia a verdadeira luz do mistério! … 


José Rodrigues Dias, 2011-06-25



IV Antologia de Poetas Lusófonos, Folheto Edições, 2011, pag. 280.

quarta-feira, 15 de abril de 2015

Primavera triste



Primavera triste



A primavera chegou sem esperança trazer.
O fogo do desespero consome campos e fábricas,
Consome sociedades e nações,
Consome continentes,
Consome corações.
As falsificações aumentam
E aumentam as corrupções.
Punições, nada!
Que justiça, Senhor?!

Os despedimentos explodem
E matam as fomes.
Como é possível tudo isto acontecer
Sem nada se fazer?
Pergunto-me, sem resposta ter:
Como deixaram eles a tudo isto chegar,
Sem nada prever,
Sem nada vislumbrar,
Sem nada dizer,
Para cada um se precaver?

Ouso, contudo, responder-me
Que eles sabiam,
Eles sabiam,
Que eles pelo menos pressentiam,
Pois tinham que antever,
Que isso teria que ser seu dever e saber.
Infelizmente, nada:
Nem ver, nem dever, nem saber…
Nada!

Ouso ainda pensar
Que no seu conhecer,
Ou no seu pressentir,
Nada quiseram fazer
A não ser para o lado olhar
E a outros deixar o agir. 

A outros, iguais,
Sem agir,
Ou a fingir,
Para o lado olhar,
A assobiar,
A fortunas ganhar!

Que triste esta primavera,
Sem esperança trazer,
Com sonhos feitos a desfazer,
Ou sem sonhos poder ter,
As gentes tristes a sofrer,
Os corações a sangrar,
Sem responsáveis castigar,
Sem justiça haver nem ter!

Este é o mundo!
Talvez o mundo a merecer
Sem primavera de esperança haver…


José Rodrigues Dias, Braços Abraçados, Tartaruga Editora, 2010.

terça-feira, 14 de abril de 2015

Descobrir



Descobrir


Mestre,
Ideias novas não surgem,
Apesar de tanto pensar!

Apesar de tanto pensar,
Ideias não emergem,
Mestre!

Olho de um e de outro lado,
Como me tens tanto ensinado,
Olho o caminho já caminhado,
E nada, nada de novo vislumbrado!

Que problema, mestre!

Estou cansado, olhos sem ver, enraivecido,
Quase tudo me parecendo ter esquecido;
Mas lembro-me de ti a dizer
Que solução há-de haver!

Dizes-me que talvez este ainda não seja
O tempo para o meu fruto colher,
Por tempo ainda o fruto não ter
Para, naturalmente, amadurecer.
Dizes-me ainda que tranquilo esteja
E a reflexão ao sol deixe a aquecer.

Olhos semi-cerrados,
Abertos e fechados,
Vendo sem ter de ver,
Por profundo saber,
Em sábio gesto de mundo abarcar
Dizes-me ainda para descansar e olhar!

Olha!

Olha a borboleta lá fora,
A chamar-te,
A voar na primavera,
Voando de flor em flor,
Em hino ao amor.

Olha,
Faz isso, vai com ela,
Procura a luz,
Olha o céu,
Voa, voa, voa,...
E volta,
Tranquilo!

Volta então à tua reflexão.
Fixa bem os pressupostos,
Define bem os objectivos
E parte, decidido, a caminhar,
À procura da certa solução
Que decerto vais encontrar.

Minimiza o duro caminho,
Que é duro o caminho
E, quantas vezes, difuso,
Em nevoeiro escondido.

Chora quando tiveres que chorar!

Vê os desvios do caminho,
Assinala-os com raminhos de acácia
Mas não te desvies do traçado primordial.

Talvez a eles possas voltar mais tarde,
Quem sabe se para muita sede
Poderes então saciar em inesperadas fontes
Que neles poderás então encontrar,
Para novas lágrimas poderes chorar!

Mas não te deixes agora inebriar.
Olha os pressupostos e os objectivos;
Olha apenas o caminho principal,
O caminho principal!

Ao caminhar,
Faz como o vedor,
Mesmo que nele não acredites;
Sente os sinais,
Mesmo que sinais
Não te pareça encontrar.

Há sempre sinais!

Vai caminhando,
Pára de vez em quando,
Refresca a mente,
De lágrimas eventualmente,
E sente!

Há sempre sinais!

Sente o pulsar do coração 
E o pular do pensamento!

Caminha e sente,
Que há sempre sinais!

Há sempre sinais!

....

Sim, mestre,
Estou a sentir,
A ver afloramentos,
A fazer acontecimentos,
A descobrir!

Obrigado,
Mestre!


José Rodrigues Dias, Braços Abraçados, Tartaruga Editora, 2010.

segunda-feira, 13 de abril de 2015

Sábio



Sábio


Aqui chegado,
Sábio deves ser,
Sábio tens que ser,
Que são muitas as batalhas
E as batalhas deixam muito saber,
Também muito sofrer,
Que é amargo, bem amargo
O sabor de certo saber.


José Rodrigues Dias, Braços Abraçados, Tartaruga Editora, 2010, p.17.

domingo, 12 de abril de 2015

Aprendiz, devagar



Aprendiz, devagar


Aprendiz, devagar,
pelo teu caminho parte,
a sul hás-de chegar…


José Rodrigues Dias, 2015-03-17

sexta-feira, 10 de abril de 2015

Vida


Vida



Nasci de uma gota como um rio
Vindo do interior sagrado da vida.
Gota a gota, pelos mistérios,
Fiz-me garoto como ribeiro cristalino
Cantarolando nas pedras do caminho.
Pedra a pedra, fiz-me homem
Como um rio digno de ser rio.
À volta, ao sol, a imensidão da terra;
Em noites de lua cheia, o céu, suspenso,
Contido na quase quietude das águas…

Rio pleno a falar com o infinito do mar,
Onde vai morrer e outra vida nascer!


José Rodrigues Dias, Évora, 2011-06-15, 

IV Antologia de Poetas Lusófonos, Folheto Edições, 2011.


(Seleccionado em 

www.patriciatenorio.com.br, aqui)