quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Uma sementeira sagrada, ofício de templo


Sétimo livro de Poesia (2017).


Uma sementeira sagrada, ofício de templo

  
Semeei durante a tarde
verdes, variegados,
de estações que hão-de vir
em sentido concreto não figurado

porque se até um poeta precisa de comer
para que possa em si nascer o ainda encoberto
que dizer de mim ou doutro ser qualquer…

Amanhei a terra
e transpirei
(só lhe faz bem, diz o senhor Doutor)
enquanto certas coisas eu as ia pensando
e lembrando de antigas transcendências,

sentindo o sol e a chuva por ali
em pacto entre si respeitado,
breves ou longas intermitências,
como se em discreta oferenda,

dádiva ao homem, pequeno ali,
que os olha, baixando e levantando o olhar
em sinal de respeito, dentro de si,

olhando quase como um tolo
sem nexo, eu sei,
e sem resto de razão,
dir-se-á um homem que se olha grande
mas que nunca na terra
um só grão
um dia só, um só, semeou…

Semeei um canteiro de futuro
quando as sementes
as entreguei quase religiosamente à terra
e as envolvi no seu próprio ventre
de renascimento
com as minhas próprias mãos
sem sombra
como em ofício de um enorme templo.

Sei que o canteiro vai nascer
e ser canteiro de verdes, de futuro,
eu sei que tudo vai renascer!

2013-09-28


in José Rodrigues Dias, Chão, da Terra ao Pão
Ed. Forinfor, 152 pp, 2017.

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José Rodrigues Dias, 2019-11-27


terça-feira, 26 de novembro de 2019

Coisas do Sol


Sexto livro de Poesia (2017).


Coisas do Sol


Ramos em ossos despidos
pelo tempo que de quente se fez frio,
veios de seiva ressequidos...

E o Sol de volta os amorna,
as nascentes refazem-se em vida nova,
o corpo de folhas se adorna...

E, ei-los, eis os passarinhos
trazendo de volta os campos de flores,
eis nos ramos novos ninhos...

2017-01-23


* * * 

in  José Rodrigues Dias, Poemas em tercetos simétricos, diarísticos (Janeiro a Março, 2017), Ed. Forinfor, 132 pp, 2017.

* * *

Jrd, 2019-11-26

segunda-feira, 25 de novembro de 2019

Retorno


Quinto livro de Poesia (2016)


Retorno



A casa torno,
retorno a casa sempre,

luz renascida,
partida, caído, erguido, chegada,
outra partida,
montanha subida,
maré,
descida…,

pêndulo ritmado
em movimento de atrito no tempo
quase sempre lento
iniciado em sonho de pão
em si entranhado…

Mão de terra,
braço de um pêndulo
em movimento de pão,
paz e guerra…

Braços apertados,
lábios dados,
nascidos, renascidos,
braço de pêndulo
em chegada
esperada…

Outro,
o mesmo,
um camponês,
Penélope urdindo
desurdindo o tempo
longo de retorno
a Ítaca…

O pêndulo,
nós,
o outro indo,
vindo,
nós indo,
vindo,
o retorno,

retorno de suor
de sal e pão
sempre
de terra a mão,

a casa sempre
retorno!

2014-03-04

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in  José Rodrigues Dias, Poemas daquém e dalém-mar, Ed. Forinfor, 178 pp, 2016.

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Jrd, 2019-11-25

domingo, 24 de novembro de 2019

Até o poema...


Quarto livro de Poesia (2016).

Até o poema...


Se tu quiseres, será Primavera
todo o tempo em cada olhar
em todo o lugar desta esfera...

Prepara teus caminhos,
não te preocupes, o cansaço passa
num ombro de carinhos...

De bem semeia então a terra
e do mundo escuro nascerá outro, claro,
sem fome e sem mais guerra...

Rimando ou não, até o poema,
de tão simples, porque colhido do belo,
ficará para sempre como lema...

2016-02-05


in José Rodrigues Dias, Tons e Sons de Primavera(s), Ed. Forinfor, 106 pp, 2016.

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Jrd, 2019-11-24

sábado, 23 de novembro de 2019

Naquele tempo, eu criança, a Luz…


Terceiro livro de Poesia (2015).


Naquele tempo, eu criança, a Luz…


Teria eu doze ou treze anos…
Catorze?... Talvez não…
Não havia luz eléctrica,
a luz era a do Sol, da Lua,
do azeite na candeia, do petróleo
e era a daquela pedra
mágica
no candeeiro
que com água ardia
como ardia em furo de batata crua,

nós, Mãe,
ao lume em espera,
nós, Pai,

a noite longa no olhar…

E era a luz das estrelas, de Guerra Junqueiro…

Assim em Talhas, a minha aldeia,
era assim,
eu, nós, tudo, o tempo todo escuro…

E eis que uma pilha de pequena lanterna
e um pequeno circuito eléctrico construído
de eu o ter no Porto no colégio aprendido,

e eis que uma luz, primeira,
no meu quarto, iluminado,
eu fascinado, luzia, pioneira,

naquele tempo, eu, garoto,
a aldeia com luz de candeia,
eu, assim, tão límpida a luz…

Algum tempo depois
(dois, três anos?...,
talvez, quem sabe…,
se já lá vão cinquenta anos!…),

e eis na aldeia a electrificação
e o momento da inauguração…

Olhei, então, e fixei uma lâmpada,
era ali junto à Igreja,
era a noitinha,
nem se via
nem deixava de se ver,
era noite e era dia…

E eis que a minha lâmpada não se acendeu
(as outras, sim, porque o oh! da gente
logo aí aconteceu,
quente...),
aquela lâmpada, que fizera minha,
ali junto da casa de Deus, não se acendeu
e nunca eu soube o porquê,
logo eu, exactamente…

Que sombra de nuvem negra a teria encoberto,
logo ali, logo naquele momento, aquela minha luz
que no meu quarto eu antes a tinha descoberto?…

Repara,
digo-me agora em templo,
aí tens!

Creio que vem daí
o fascínio do teu olhar
pela coisa da Luz,

de certos encontros
o caminho,
e de desencontros,

à procura da alteridade
em ti, no outro,
em mim, em liberdade…

2015-06-01


in Fiat Lux (no ano da Luz), Ed. de Autor, 90 pp, 2015.


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Jrd, 2019-11-23

sexta-feira, 22 de novembro de 2019

Amiga


Segundo livro de Poesia (2011)


Amiga


Olha, a luz das estrelas existe
Como existe a luz do pensamento,
Mais fortes que qualquer escuridão.
Continua a segui-las com a força que sei que tens
E a sabedoria, crescendo, que sei que procuras.
Eu continuarei, sempre que algum tempo tiver,
Olhando o eterno belo em luz de lua
Em ti reflectida sempre que puder!


in José Rodrigues Dias, Traçados sobre nós, Chiado Editora, 106 pp, 2011.

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Jrd, 2019-11-22

quinta-feira, 21 de novembro de 2019

Acordar


Primeiro livro de Poesia (2010).


Acordar


Deixaste o campo abandonado,
Onde bebeste do cálice da Vida
E comeste do Pão com amor semeado.
Deixaste a Luz do Sol, das estrelas, da Lua,
Com seus naturais encantos e mistérios
Em dias límpidos e noites de sonhos livres
Sem imaginar viver um dia sem o ar da liberdade.

Foste. Livre ou obrigado, foste!

Encontraste-te em cidade sem identidade, perdido,
Em cidade sem sítio onde começa nem acaba.
Procuraste, atarantado, o norte 
que não descortinaste.
No que te parecia ser o raiar de um novo dia,
Sem saberes por vezes se sonhavas ou deliravas,
Procuraste o nascer do Sol que não encontraste.


Cansado, prostrado, suado, ao fim de cada duro 
e longo dia,
Procuraste o pôr-do-sol que antes, tranquilo, tanto
admiraste!
Agora, enraivecido, em nenhum dia o pôr-do-sol
acontecia.
Aquele pôr-do-sol, com que o sonho ainda hoje te
adormece,
No findar de cada dia, deleitado, jamais
encontraste.
Encontraste espessos mantos sem saberes de quê,
Nem porquê, e que culpa tu tinhas, que mal
praticaste,
Envolvendo-te o corpo, cobrindo o universo,
Enevoando-te o pensar do já perturbado
pensamento.
Lembras-te, com intensidade ou apenas só
vagamente,
Daquela luz tépida da noite, ora difusa ora intensa,
Em noite de luar, com sombras de nuvens
vaporosas 
Viajando livres com o vento, soltas no doce luar.

Acorrentado, lembras-te livre em mundos
transparentes,
Em noites claras de luar e de estrelas em campos
sem findar.
Com suores, olhas a luz dos tiros rasgando noites
sem luar
E estremeces no aclarar das noites pelo brutal
incendiar.

É hora de acordar!

É a hora de voltar!


in José Rodrigues Dias, Braços Abraçados, Tartaruga Ed., 82 pp, 2010.

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José Rodrigues Dias, 2019-11-21

quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Os mestres


Quinto livro de Poesia


Os mestres


Palavras sóbrias e gestos largos
de quem muito abraçou
pelos sonhos
por onde andou…

Respostas, poucas;
perguntas, muitas,
sempre as últimas
de tudo
para ser caminho
da frente…

Mestre
é luz perene de procura
que no caminho
perdura…

Se a luz morrer,
no caminho
onde te vais perder
vais morrer…

2013-12-27

* * * 


in  José Rodrigues Dias, Poemas daquém e dalém-mar, Ed. Forinfor, 178 pp, 2016.

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Jrd, 2019-11-20

terça-feira, 19 de novembro de 2019

Sá de Miranda e o gato




Sá de Miranda e o gato


O gato, todo de negro, sentado,
sobre a caixa da EDP com o poeta em retrato, escuta,
atento, poesia de Sá de Miranda…

Universal,
qualquer o ser, o tema, o tempo,
é a Poesia…


José Rodrigues Dias, 2019-11-19

segunda-feira, 18 de novembro de 2019

Monsaraz sobre Alqueva




Monsaraz sobre Alqueva


Arco largo como janela aberta,
ampla, amplamente, o infinito como limite,
sobre o silêncio denso da água…

Adormece a planície ao Sol de Verão,
calados ficam os chocalhos
e as azinheiras em sabida sofreguidão…

À noite, pela noite adentro,
na superfície espelhada do grande lago,
interroga-se um céu imenso…


José Rodrigues Dias, 2019-11-18

sábado, 16 de novembro de 2019

Olha, três anos




Olha, três anos


A manhã fria,
um coelho pára sem medo, olha, linda a luz
neste teu dia…

Três anos,
olha, o coelho meteu-se na toca, terá frio,
é o teu dia…

A luz está linda,
o coelho espreita, o iPad espera, límpido
o teu olhar claro…


José Rodrigues Dias, 2019-11-16

sexta-feira, 15 de novembro de 2019

Veneza das inundações




Veneza das inundações


Veneza,
praças e ruas boiando, chão
de água…

De tanta,
até se afogam
os canais…


José Rodrigues Dias, 2019-11-14

quinta-feira, 14 de novembro de 2019

Do tempo e do movimento





Do tempo e do movimento


Gotas de água puras, cristalinas,
em neblina nascidas, com medo da queda,
agarram-se às folhas em silêncio…


José Rodrigues Dias, 2019-11-14

quarta-feira, 13 de novembro de 2019

Espigueiros de Castro Laboreiro




Espigueiros de Castro Laboreiro


Espigas guardadas de pão,
lá no altos, secando ao vento, ao tempo,
na Cruz olhando a bênção…

Lá pelas terras altas de Castro Laboreiro,
caminhos tortuosos de chegada e de partida,
onde de animais é o movimento primeiro…

Onde limpo
é o brilho das estrelas perto
e puro é o ar…


José Rodrigues Dias, 2019-11-13