sexta-feira, 31 de julho de 2020

O belo




O belo


Olha o simples:
nele, desnudado, sem enfeites, puro,
o belo profundo…

2020-02-13

in José Rodrigues Dias, Poemas confinados (2020, Janeiro a Abril), 148 pp, 2020.


Jrd, 2020-07-31


quinta-feira, 30 de julho de 2020

Niebro, zimbro


Amadeu Ferreira, Fracisco Niebro,
Homem notável (1950/07/29 - 2015/03/01).
(Imagem da Net).


Niebro, zimbro 


Homem, rijo que nem zimbro antigo
em solo ardente ou em gelo ao vento,

origem de tanto caminho
de tanto e diverso destino,

inteiro
é
de pé,

mesmo se de lágrimas
e de silêncios
e noite em certos dias…

Mas se num instante o pé se perde
e do todo vai ficando apenas parte
e depois um aparentemente nada,
o homem, matéria, pequeno parte,

mas indo ainda assim de caminho,
embora outro o caminho, indo sem ir,
indo sem vir, e quase devagarinho…,

e na  mão fica aparentemente um  nada
mas o tempo sábio pelos ventos perfuma
todos esses caminhos e destinos da arada
onde o Homem inteiro é e não se esfuma…

Sim, niebro tu te fizeste de um nada,
os caminhos de fragas em tua arada…

2015-03-01



in José Rodrigues Dias, Chão, da Terra ao Pão, 152 pp, 2017.



* * *   

José Rodrigues Dias, 2020-07-30

quarta-feira, 29 de julho de 2020

Cumo quien bai de camino


Amadeu Ferreira. 
(Homem notável,
imagem da Net).
Faria hoje, 29/07/2020, 70 anos.



Cumo quien bai de camino

(Para Amadeu Ferreira, olhando, lembrando-o agora aqui, que, como Fracisco Niebro, traduziu este poema para Mirandês).


Olhando perdido as estrelas de duas terras,
de onde vim e onde há tanto estou,
sem saber já de onde sou,
fraca a vista,
pouca a luz,
cansado já de noites de penumbras
e do que parecendo ser não é,
nem mesmo se querendo,
sentado assim pequeno
na planície enorme
que baixo parece até o céu,
só agora tarde te descobri…

E tu aí,
pelos caminhos,
Cumo quien bai de camino

De desencontro o meu caminho,
minha a escolha
e a culpa,
se culpa,
tu aí…

Mas procurei,
que sempre
um homem procura
e a sombra não perdura,
firme como a rocha
de que um dia da terra brotei…

Encontrei em ti a vida
como gosto dela, colorida,
traçado o caminho
de caminhos
em sons e tons
de rocha cinzelada, polida…

Cumo quien bai de camino

2012-06-18

in José Rodrigues Dias, Diário Poético (2012 - 2016), Livro um, 1/10 (Janeiro a Junho de 2012), 280 pp, 2018.

* * * 

Tradução para Mirandês aqui, neste endereço:





"Cumo quien bai de camino"... poema de José Rodrigues Dias


Ye ua honra publicar eiqui l guapo poema que l poeta José Rodrigues Dias me dedicou, i fui ua eimoçon habé lo puosto an mirandés.



“CUMO QUIEN BAI DE CAMINO”…
(Para Amadeu Ferreira)


Mirando perdido las streilhas de dues tierras,
D’adonde bin i adonde yá tantá stou,
Sien saber yá de adonde sou,
Fraca la bista,
Pouca la lhuç,
Cansado yá de nuites selumbries
I de l que parecendo ser nun ye,
Nien mesmo se querendo,
Sentado assi pequeinho
Na prainada einorme
Que baixo parece l cielo,
Solo agora tarde te çcubri…

I tu ende,
Puls caminos,
“Cumo quien bai de caminho”…

De zancuontro l miu caminho,
La mie scuolha
I la culpa
Se culpa
Tu ende…

Mas busquei 
Que sempre 
Un home busca 
I la selombra nunca dura
Firme cumo la peinha 
D’adonde un die abrolhei…
Achei na ti la bida
Cumo gusto deilha, quelorida,
Ousmado l caminho
De caminos
Na sonidos i tons
De piedra cinzelada, lhabrada…

“Cumo quien bai de camino”…


José Rodrigues Dias
18 de júnio de 2012
[traduçon de Fracisco Niebro]


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Jrd, 2020-07-29

terça-feira, 28 de julho de 2020

Navegar




Navegar


Por riachos
entro no rio grande do pensamento
que me percorre.
Em silêncio.
Só.
Nem é dia nem noite,
apenas uma luz sem nome, por definir.
Olho, só, em movimento.
Olho os contornos finitos das margens
que me amarram
num ramo seco do dia
quando cansado paro
e vivas as margens me saúdam
e me deixam mais livre,
se o mais aqui existe,
sempre que para longe a navegar
largo
parto!

2013-09-02

in José Rodrigues Dias, Emanações do silêncio, 278 pp, 2019.


* * *

Jrd, 2020-07-28

segunda-feira, 27 de julho de 2020

Já não escolho um livro pelos teoremas





Já não escolho um livro pelos teoremas

  
Já não é tanto o que em teorema se enuncia
e logo de seguida com todo o rigor se prova
com muitos símbolos e longas fórmulas
como no início se queria…

Agora é mais um livro a falar da vida,
de um simples fechar e abrir de olhos
mesmo que muito subtil
e quase vago
como um quase nada,
como uma aragem fresca
fugidia
mas viva apesar de tudo…

Ou um livro que fale de uma flor
desde que não seja de plástico,
nem de ouro,
mesmo sendo de ouro puro,

agora é mais de uma flor
pela mão plantada
ou de uma semente ao vento
na rocha nascida,
selvagem em terra bravia,

mesmo que frágil a flor
ao Sol ardente caída, sedenta, os lábios molhados,
desde que seja uma flor…
  
2012-08-21

in José Rodrigues Dias, Diário Poético (2012 - 2016), Livro dois, 2/10 (Julho a Dezembro de 2012), 238 pp, 2020.


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Jrd, 2020-07-27

domingo, 26 de julho de 2020

Começo de um dia




Começo de um dia


Sozinha vais de pote à fonte
logo pela manhã cedo
assim viçosa,
tu,
não tenhas medo…

Bebe,
lava tudo quanto sejas,
quanto vejas,
deixa tudo como a água pura
logo pela manhã cedo,
tu,
assim viçosa
vai segura
na tua candura
e perturba a sombra
e o negro
e não tenhas medo…

2013-12-26


in José Rodrigues Dias, Poemas daquém e dalém-mar

178 pp, 2016.

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Jrd, 2020-07-26


sábado, 25 de julho de 2020

Amiga




Amiga


Olha, a luz das estrelas existe
Como existe a luz do pensamento,
Mais fortes que qualquer escuridão.
Continua a segui-las com a força que sei que tens
E a sabedoria, crescendo, que sei que procuras.
Eu continuarei, sempre que algum tempo tiver,
Olhando o eterno belo em luz de lua
Em ti reflectida sempre que puder!


in José Rodrigues Dias, Traçados Sobre Nós, 106 pp, 2011.


Jrd, 2020-07-25

sexta-feira, 24 de julho de 2020

Divina proporção




Divina proporção

  
És a moldura do belo,
tu própria as linhas da pura beleza!
Contigo o homem é construtor,
perfeito em ti se encaixilha
um rosto em harmonia
e a quinta sinfonia,
também enigma
em sorriso de Mona Lisa!…

De ti a minha mão se faz
e se faz o pentagrama
e a beleza que jaz
em inesperada natureza!

Sábios a longe olhar, os antigos
cedo te descobriram e gravaram
em acrópoles e sagrados templos
e os matemáticos curiosos te estudaram
e te publicaram
e te chamaram número de oiro!

Da humanidade te fizemos símbolo,
divina a tua proporção,
a ti,
proporção divina!

2012-07-06


in José Rodrigues Dias, Diário Poético (2012 - 2016), Livro dois, 2/10 (Julho a Dezembro de 2012), 238 pp, 2020.


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Jrd, 2020-07-24

quinta-feira, 23 de julho de 2020

Tractor vermelho, quase poesia?




Tractor vermelho, quase poesia?


Mesmo sem saber o que é ser poema

(Poeta, o que é um poema?
E tu, aí, o que é um tractor?),

eu sei que não é poético falar de um tractor,
e logo de um tractor de cor vermelha
(e, pior ainda, sendo meu),
da cor do Sol nascente
quando louro é já o trigo
e se avizinha outro dia quente…

Mas o que dizer de um tractor

que lavra direito a terra que amanha
para ser mãe fecunda
com amor,
amor sem adjectivos,
tout court,

e com os dedos polidos a arranha
como massagem ora leve ora funda
mas sem nunca a querer magoar

como médico ou enfermeiro
em doente sensível que sempre trata
como profissional verdadeiro,

que dizer de um tractor

em terra sem sinais
nem viadutos
nem rotundas,
sem sinais de enganos,
sem esquerdas nem direitas,
sem filas de automóveis sem fim,
gente desesperada
gritando apressada…,
  
que dizer de um tractor, a cor avermelhada,
que lavra direito a terra que com jeito amanha
para ser doce mãe, a mãe fértil abençoada…

E que dizer de um homem pequeno

(eu da vida o reconheço)
com cheiros entranhados
(em dias pelas noites feitos longos)
de números e de fórmulas
e de computadores
à superfície vistos
até ao osso esventrados
e em imagens simples explicados,
e outras coisas mais…,

traços também de gente,
rica, pobre, muita gente…,

quando sobre esse tractor
que firme vai avançando
direito ou largas as curvas,

morno, liquido no radiador
(um pouco do líquido se vai perdendo,
em tudo na vida há perdas),

(como no movimento
sempre vai havendo, pela resistência do outro,
certo amortecimento),

quando sobre esse tractor
o homem direito se levanta inteiro,
ele, de pé com os seus eus,

e com a vista alcança a cidade
nas cúpulas a sul, profanas e divinas,
e sente em chama a liberdade…

E quando o homem
acaricia
a aragem da tarde

e os pássaros
antecipam na terra arada
a ceia cheia

e os coelhos
começam a sair cedo
e observam,

sem medo e sem barreiras,
direitos
sobre suas pernas traseiras,

não será cada traço do tractor,
ainda que de cor vermelha, não será, então,
verso belo de poesia ou quase?

2012-10-08

in José Rodrigues Dias, Chão, da Terra ao Pão, 152 pp, 2017.


* * *   

José Rodrigues Dias, 2020-07-23

quarta-feira, 22 de julho de 2020

Elementos e lembranças de garoto




Elementos e lembranças de garoto



Quando eu era garoto, naquele tempo,
quando andava na escola primária
que era a primeira
onde se aprendiam as letras todas e muitas palavras
e os algarismos e os números, incluindo os romanos,
e as tabuadas decoradas e as contas certinhas
com que se resolviam os problemas difíceis
de áreas de terrenos e de volumes
e do custo das coisas
(apesar de por ali ser pouco o dinheiro que havia)
e se aprendia muita história e muita geografia
e muitas outras coisas
para além de muito passo da vida da gente 
pelo mundo dentro e fora
que muita gente dali nunca viveria
como nunca andaria de comboio
nem de longe olharia o mar,
mesmo que fosse com muito cuidado
(havia um Adamastor, dizia-se,
sem saber o que seria)
e menos esperança havia de algum dia
a gente agarrar o mar
(como seria o encanto do diabo
daquele malvado mar
que a uns homens matava
e a outros elevava a heróis,
faróis em ruas e praças de cidades
em acções de graças de outros homens?...),

naquele tempo, dizia eu,
garoto nordestino sem mar,
de uma terra em que o inverno vinha cedo
e sempre andava por ali olhando a gente
e cedo se acendia a lareira e a candeia de luz fraca
(sim, foi daí que veio o meu fascínio pela luz
docemente incendiado pela chama do pensamento)
e se ouvia ao lume a fala dos homens mais velhos,
sérios,
(e estou agora a lembrar-me 
dos seus velhos sapatos molhados)
a falar de cartas de chamada para o Brasil
(creio que era chamada aquela palavra usada
mas não percebia quem de lá chamava),
e eu não sabia onde era o Brasil e o que lá haveria,
talvez fosse apenas um fim-do-mundo
ou talvez um paraíso sem pecado
porque não se ouvia que quem fosse
um dia depois de lá viesse
(foi para o Brasil…, era só o que se dizia
e era depois aquele silêncio que ficava,
os olhos baixos fitando o lume,
mexendo talvez nas brasas
para aquecer a alma que arrefecia…),

naquele tempo, dizia eu,
voltando à minha escola primária
de entrada de respeito em cantaria,
a primeira de todas onde a gente
se faz gente ou não se faz,
naquele tempo,
uma redacção à luz da candeia
que a senhora Professora pedia
sobre os elementos da vida
podia muito bem ser assim
em letra muito certinha,
sim,
como cedo se aprendia:

“Os elementos:

Os elementos essenciais (ou fundamentais) da nossa vida aqui são os seguintes: a terra, as vacas, o arado e os homens.
A terra é muito nossa amiga porque nos dá o pão e o resto, mas precisa de ser trabalhada e às vezes custa muito. Custa mais no Inverno e no Verão quando faz muito frio ou muito calor.
Há também os bois e os machos ou as mulas e também os burros. Burros há por aqui muitos. Os burros zurram muito!
Há também a charrua onde se põe a relha para lavrar a terra.
Ainda há o carro das vacas ou de outros animais para levar as coisas como, por exemplo, o trigo segado no Verão e a lenha para o lume no Inverno.
O céu às vezes está muito escuro e chove muito.
Há também trovoadas muito grandes. A gente tem medo e reza a Santa Bárbara. Eu tenho medo das trovoadas! Já tem morrido gente!
Quando não chove durante muito tempo, o senhor Padre e a gente toda fazem uma novena na aldeia. Lembro-me de uma.
Os homens levam merenda quando vão para o campo porque o trabalho dá fome e é preciso comer para não morrer.
À noite, quando os homens chegam, as mulheres já têm o caldo feito e a gente come depois de acomodar os animais que também precisam de comer.
Eu gosto muito da terra porque nos dá tudo o que a gente aqui precisa!”.


Nordestes que o mar
e a terra ligaram,

terra e mar,
gostos que ficaram,

nordestes,
que nos fizestes!...

2014-01-30


in José Rodrigues Dias, Poemas daquém e dalém-mar,
178 pp, 2016.

* * *
Jrd, 2020-07-22