Tractor vermelho, quase poesia?
Mesmo sem saber o que é ser
poema
(Poeta, o que é um poema?
E tu, aí, o que é um
tractor?),
eu sei que não é poético falar
de um tractor,
e logo de um tractor de cor
vermelha
(e, pior ainda, sendo meu),
da cor do Sol nascente
quando louro é já o trigo
e se avizinha outro dia
quente…
Mas o que dizer de um tractor
que lavra direito a terra que
amanha
para ser mãe fecunda
com amor,
amor sem adjectivos,
tout court,
e com os dedos polidos a
arranha
como massagem ora leve ora
funda
mas sem nunca a querer magoar
como médico ou enfermeiro
em doente sensível que sempre
trata
como profissional verdadeiro,
que dizer de um tractor
em terra sem sinais
nem viadutos
nem rotundas,
sem sinais de enganos,
sem esquerdas nem direitas,
sem filas de automóveis sem
fim,
gente desesperada
gritando apressada…,
que dizer de um tractor, a cor
avermelhada,
que lavra direito a terra que
com jeito amanha
para ser doce mãe, a mãe
fértil abençoada…
E que dizer de um homem
pequeno
(eu da vida o reconheço)
com cheiros entranhados
(em dias pelas noites feitos
longos)
de números e de fórmulas
e de computadores
à superfície vistos
até ao osso esventrados
e em imagens simples
explicados,
e outras coisas mais…,
traços também de gente,
rica, pobre, muita gente…,
quando sobre esse tractor
que firme vai avançando
direito ou largas as curvas,
morno, liquido no radiador
(um pouco do líquido se vai
perdendo,
em tudo na vida há perdas),
(como no movimento
sempre vai havendo, pela
resistência do outro,
certo amortecimento),
quando sobre esse tractor
o homem direito se levanta
inteiro,
ele, de pé com os seus eus,
e com a vista alcança a cidade
nas cúpulas a sul, profanas e
divinas,
e sente em chama a liberdade…
E quando o homem
acaricia
a aragem da tarde
e os pássaros
antecipam na terra arada
a ceia cheia
e os coelhos
começam a sair cedo
e observam,
sem medo e sem barreiras,
direitos
sobre suas pernas traseiras,
não será cada traço do
tractor,
ainda que de cor vermelha, não
será, então,
verso belo de poesia ou quase?
2012-10-08
in José Rodrigues Dias, Chão, da Terra ao Pão, 152 pp, 2017.
* * *
José Rodrigues Dias, 2020-07-23
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