sexta-feira, 17 de julho de 2020

Introspecção




Introspecção



Por entre teus cabelos longos quase negros
que suaves te correm em ligeira ondulação,
o olhar denso de dentro do teu ser
sobre o que és,
ou sobre o que talvez sejas,
de onde vens,
os caminhos que vens abrindo
ou que te trazem,
e talvez para onde queiras depois ir
ou não ir,
tu,
mulher ainda por amadurecer,
a amadureceres
por entre um sonho doce que te liberta,
inebriando-te,
e uma nuvem quase invisível de fumo de cigarro
que quase já te prende,
intoxicando-te…

E tu à janela,
parece-me que estás a uma janela
porque creio que estamos sempre a uma janela,
querendo tu saber de ti
talvez tu na rua,
ou na lua,
caminhando nela
como se fosses exactamente tu
sem a dor do salto
e o amor sonhado da viagem…

E aqui eu volto a lembrar-me
do princípio da incerteza de Heisenberg
e dessas coisas todas relacionadas
em que a observação do que é
altera o estado que é
e depois ainda me lembro
daquele outro,
tu sabes,
daquele do conhece-te a ti próprio

E eu fico ainda mais a pensar
em mim,
nas facetas do meu diverso
por ti em mim olhadas
e no uno,
se é que existe em nós
um uno
porque sempre todos somos mudança,
logo, penso eu,
sem uma fotografia inteira
ainda que lindíssima
de um certo ângulo
e de um preciso momento
e mesmo sendo genial o fotógrafo…

2013-10-07


in José Rodrigues Dias, Poemas daquém e dalém-mar,
178 pp, 2016.

* * *

Jrd, 2020-07-17

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