O caminho
Quando as mãos se dão
e uma mão a
outra mão segura e puxa
seguindo a luz
do futuro,
mais seguro
o caminho
por que vão…
José Rodrigues Dias, 2020-09-30
(Traçados sobre nós - Traço: José Rodrigues Dias; Blog em remodelação)
O caminho
Quando as mãos se dão
e uma mão a
outra mão segura e puxa
seguindo a luz
do futuro,
mais seguro
o caminho
por que vão…
José Rodrigues Dias, 2020-09-30
Dia seguinte
Granizo de cima e de lado,
grossa a pedra,
pesado,
forte o vento,
folhas e pétalas rasgadas
como eu próprio as vi
na terra
cor de barro
e cor de rosa
que o tempo diluiu
em tempo de marmelos,
uns com marca de pedrada
que os feriu
como ontem eu mesmo os vi…
Por um mar rasgado
um povo antigo passou
e de outro tempo
se libertou…
No dia seguinte
outras folhas e pétalas
de novas flores
e cores…
Quem conhece as agruras
e as dores
do cultivo incerto da terra
sabe que o tempo
por entre ervas e pedras
traz ternuras
cândidas sempre
e novas flores…
Depois que o povo da promessa
o mar todo passou
de novo o mar inteiro se fechou…
Tudo está escrito nos antigos livros!
2014-09-29
* * *
Uma sementeira sagrada, ofício de templo
Semeei durante a tarde
verdes, variegados,
de estações que hão-de vir
em sentido concreto não figurado
porque se até um poeta precisa de comer
para que possa em si nascer o ainda encoberto
que dizer de mim ou doutro ser qualquer…
Amanhei a terra
e transpirei
(só lhe faz bem, diz o senhor Doutor)
enquanto certas coisas eu as ia pensando
e lembrando de antigas transcendências,
sentindo o Sol e a chuva por ali
em pacto entre si respeitado,
breves ou longas intermitências,
como se em discreta oferenda,
dádiva ao homem, pequeno ali,
que os olha, baixando e levantando o olhar
em sinal de respeito, dentro de si,
olhando quase como um tolo
sem nexo, eu sei,
e sem resto de razão,
dir-se-á um homem que se olha grande
mas que nunca na terra
um só grão
um dia só, um só, semeou…
Semeei um canteiro de futuro
quando as sementes
as entreguei quase religiosamente à terra
e as envolvi no seu próprio ventre
de renascimento
com as minhas próprias mãos
sem sombra
como em ofício de um enorme templo.
Sei que o canteiro vai nascer
e ser canteiro de verdes, de futuro,
eu sei que tudo vai renascer!
2013-09-28
* * *
A chuva e a mãe-sorriso
Quando finalmente a chuva começa a cair
pela madrugada
no silêncio do bulício
é como se a sentisse
a acariciar levemente a terra seca do tempo
carente
humedecendo-a devagar,
pura e doce,
sem pressa,
continuadamente,
penetrando-a com o sentido do sagrado
para a fecundar
e ser outra vez mãe
e sorriso,
leite e pão,
regaço de rosas,
aberta a mão,
mãe-sorriso…
2013-09-26
* * *
Uma taça de luz...
O azul também no céu, apesar de tudo,
o verde intenso da azeitona virgem,
uma taça de luz em que me transmuto...
2015-09-25
Ondas de luz
Testei muito os números,
experimentei fórmulas
que imaginei
na penumbra do mundo
e da noite
enquanto dormia.
Dúvidas e interrogações
em olhares de crianças,
rastos de deuses,
magias de loucos,
restos de dias,
sonhos de partidas,
começos de auroras…
O entardecer vindo,
filtro devagar,
o filtro apertado,
imagens remotas
do mar ao fundo
e ondas de luz
na orla dos corpos
enquanto livres me chamam
as gaivotas
e vou…
2012-09-24
Suor e chuva
Chegou pela madrugada
inesperada
e forte,
gretada já de tão seca
a terra
como mão áspera
de trabalho em pedra…
Figos pela manhã de pele gretada
pela chuva benzidos
crescidos desta terra,
que sempre o fruto
em terra medra
se a mão
em sorriso aberta
suor
dá em rega…
2012-09-23
Equinócio
do Outono
Menores
eram as noites
e
nos olhos talvez as sombras,
quase
tudo se vendo com a luz do tempo
como
as pequenas coisas de nada
e
até os pequeninos seres decrescentes
e
mesmo a fraqueza dos homens
em
sorriso frágil disfarçada
para
além dos corpos estendidos
com
a desnudada beleza
ao
Sol…
Depois
do colorido tempo
ressequido
outro
tempo vem quase monótono
em
tons e sons
e
a senhora dona Lua de face prateada
ao
Sol dourado clama por igualdade…
As
árvores desfrutadas começam a adormecer
com
o prenúncio de ida nas entranhas marcada
em
voos de retorno anual
da
passarada…
Por
fim, não demora a tardinha a chegar
no
caminho de um olhar da gente
talvez
menos luminoso
e
menos quente…
2012-09-25
Estou perdido,
diz-me o caminho, por onde é,
não vês que estou tão perdido?!…
Ontem eu sabia onde estava,
para onde ia, o que me esperava,
os caminhos, os carreiros,
as luas,
conhecia os deuses…
Não vês, agora não sei o que
aconteceu,
o que me adormeceu de ontem para
hoje
que aqui estou tão perdido e só,
só com os perdidos como eu,
entre novos deuses que não sei
quem são
e como assim da noite
sombrios e distantes vieram da
escuridão…
Estou perdido, sem luz,
não vês?!…
Diz-me tu o caminho,
estou com medo, por onde devo
ir,
por onde faça sentido…
2012-02-01
Dos mistérios
Olha-me só,
ambos em silêncio,
eu uma flor
aqui assim tão simples
e a
complexidade dos mistérios!
José Rodrigues Dias, 2020-09-20
Mudar a pensar
Quanto caminho tens por certo a percorrer!
Quanto caminho tens para cair e te erguer,
podendo tal tanto não te acontecer
se tal fosse o teu querer bem querer!
Quantos, sentidos fortes como tu, contigo, não serão
os que, como tu caindo, convencidos no caminho,
caindo, nunca mais talvez se levantarão,
porque não sabendo ainda como o fazer poderão!
É que, sabes, digo-to eu agora, divertido mas preocupado,
olhos fixos nos olhos e olhos no passado,
grande pode ser o ser físico do teu presente pujante te parecer;
mas, medita e acredita mesmo, pequeno poderá ainda ser
o saber do teu inebriado jovem ser, talvez pelo vão poder,
porque tempo não pudeste ainda ter para mais ter!
Muito poderás ainda ter que ver,
calado, ouvindo no silêncio, a pensar,
a interrogar-te, a duvidar,
a pensar muito e a muito aprender,
ouvindo o silêncio a ensinar-te a conhecer,
e a conhecer-te, a apreender!
Mais tarde, depois, no iniciar da tarde de um certo dia,
no teu justo e chegado dia, se chegar, se ele te chegar...,
saberás o que bem fazer em cada novo dia!
Não o fazer de força física feito,
que depressa, vais ver, ficará desfeito,
mas o fazer de saber amadurecido em cada dia!
Lembra-te, se isso aprendeste e já esqueceste,
ou (ainda) não viveste,
do velho Ancião, imponente, talvez já doente,
talvez tua Mãe, teu Pai talvez,
no seu lugar, que ninguém ousa sequer pensar ocupar,
ausente e presente, a tribo à volta do fogo ardendo,
calado, respeitado, observando, ouvindo, respeitando,
mas, por fim, Sábio, ponderando e justo decidindo,
com a luz do fogo iluminado, iluminando!
Sábio, Ancião,
o jovem caído levantando,
com ternura aconselhando,
talvez tu, se olhares,
o Futuro olhando!
Talvez tu, tu,
com amargura,
com doçura!
Talvez tu!
in José Rodrigues Dias, Braços Abraçados, 82 pp, 2010.
* * *
Jrd, 2020-09-19
Lugar vago
Vago o teu lugar, vazio
ao lado do meu
mas é o meu coração
sem o teu
que está só
neste tempo de frio
sem o calor da luz
desta inacção
sem pinga de sangue
que a mim mesma me mete dó,
parada, tão exangue…
Nestes tempos de sombra
que de tanta luz foi em arco-íris
correntes de água límpida,
esta minha dor
agora faz-se de ausência
e a água turva…
Parada, essa corrente
faz-se muda, nada muda,
como morta, demente…
Além, só aquele poente
com um último aceno de luz
em frio de cinza doente…
Que coisa nos aconteceu,
que diabo de palavra se deu,
que deus o teu e o meu…,
que diabo se deu
que o chão todo
a água o comeu…,
eu com esta fome de ti,
coração o meu só que só chora
desde que foste embora,
que não ri,
eu só,
tu como se fosses pó
vagando pelo céu fora…
Olha, onde estás?...,
lembras-te como foi sonhada
e por nós feita
a lavra inteira da terra
nesta água de mel e pão
que nos lavava
quando nos amando
em onda ritmada
nos levava
e agora aqui este tempo de colheita
sem grão...,
eu aqui assim parada
tão em vão
sem vontade de nada…
Olha, onde estás?...,
que está o teu lugar vago
e este meu coração vazio aqui
tão só e mesmo assim tão cheio de ti,
louca ainda mais louca por ti,
por aí tu agora vagando…
De mim tu sempre serás,
nós pelas águas pelo vento bolinando,
juntos por tudo seremos,
o amor ainda nós o temos,
venha deus ou o raio do diabo
que um só nos manteremos…
2014-10-18
in José Rodrigues Dias, Poemas daquém e dalém-mar,
A
chuva, tanta coisa!
É
noite, chove,
começa
a chover muito,
terno
o
amor perto!
Lembro-me
do calor,
do
leito,
do
leito de um rio
que
de pequenino se faz
ao
caminho,
da
evaporação,
do
leve que sobe
e
do vento que o leva,
do
frio que o condensa em neblina,
do
que cresce
e
do peso
que
desce,
e
aparece a maçã de Newton
(dizem
que era uma maçã),
e
ainda a imagem de Galileu Galilei
de
Pisa
sentado
em Florença,
pisado,
admoestado,
e,
aqui, vejo os homens
como
luz que guia
e
como sombra,
uma
sombra negra
que
a luz desfaz…
Chove
ainda mais,
a
água da chuva
que
agora cai
é
pura
ou
quase pura
(digo
quase porque nada será puro
porque
há poeiras em tudo)
e imagino que a água corre para um rio
e
que no rio se baptiza
e
se lava
e,
se
o sujo lavado,
se
é outro,
como
num reset
iniciado…
Chove,
terno
o
amor perto,
e
pergunto-me ainda que mão
puxa
o vento
e
quem num sopro
iniciou
o tempo!...
2013-10-22
* * *
Um cibinho só de toucinho
Era
naquela gaveta,
sim,
naquela gaveta do lado esquerdo
da
mesa grande da sala
que
dava para trás
para
o horto onde estava o olmo
em
casa do Ti Cândido.
Não
sei porquê,
a
porta da nossa casa
estava
fechada.
Era
Primavera ou Verão,
não
me lembro,
tinha
eu ido para o campo
para
os lados do cando
não
me lembro a fazer o quê…
Estava
naquela gaveta
do
lado esquerdo
da
mesa grande
um
cibinho só de toucinho
num
tom branco já meio amarelado
do
tempo…
Foi
raio de luz
que
ali se acendeu
e
me iluminou
e
me encheu
com
a imagem do mundo
que
sempre me acompanhou…
Era
um cibinho só de toucinho
que
foi marca gravada em garoto
em
momento raro de fome,
que
sorte a minha…,
que
me ficou…
Do
tamanho do mundo
era
um cibinho só
de
toucinho…
2013-04-10