quarta-feira, 30 de setembro de 2020

O caminho

 


O caminho

 

 

Quando as mãos se dão

e uma mão a outra mão segura e puxa

seguindo a luz do futuro,

 

mais seguro

o caminho

por que vão…


 

José Rodrigues Dias, 2020-09-30


terça-feira, 29 de setembro de 2020

Dia seguinte

 



Dia seguinte


Granizo de cima e de lado,

grossa a pedra,

pesado,

forte o vento,

folhas e pétalas rasgadas

como eu próprio as vi 

na terra

cor de barro

e cor de rosa

que o tempo diluiu

em tempo de marmelos,

uns com marca de pedrada

que os feriu

como ontem eu mesmo os vi…


Por um mar rasgado

um povo antigo passou

e de outro tempo

se libertou…


No dia seguinte

outras folhas e pétalas

de novas flores

e cores…


Quem conhece as agruras

e as dores

do cultivo incerto da terra

sabe que o tempo

por entre ervas e pedras

traz ternuras

cândidas sempre

e novas flores…


Depois que o povo da promessa

o mar todo passou

de novo o mar inteiro se fechou…


Tudo está escrito nos antigos livros!


2014-09-29


in José Rodrigues Dias, Diário Poético (2012 - 2016), Livro quatro, 4/10 (Julho a Dezembro de 2013), 276 pp, 2020.


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Jrd, 2020-09-29

segunda-feira, 28 de setembro de 2020

Uma sementeira sagrada, ofício de templo

 


Uma sementeira sagrada, ofício de templo


Semeei durante a tarde

verdes, variegados,

de estações que hão-de vir

em sentido concreto não figurado


porque se até um poeta precisa de comer

para que possa em si nascer o ainda encoberto

que dizer de mim ou doutro ser qualquer…


Amanhei a terra

e transpirei

(só lhe faz bem, diz o senhor Doutor)

enquanto certas coisas eu as ia pensando

e lembrando de antigas transcendências,


sentindo o Sol e a chuva por ali

em pacto entre si respeitado,

breves ou longas intermitências,

como se em discreta oferenda,


dádiva ao homem, pequeno ali,

que os olha, baixando e levantando o olhar

em sinal de respeito, dentro de si,


olhando quase como um tolo

sem nexo, eu sei, 

e sem resto de razão,

dir-se-á um homem que se olha grande

mas que nunca na terra

um só grão

um dia só, um só, semeou…


Semeei um canteiro de futuro

quando as sementes

as entreguei quase religiosamente à terra

e as envolvi no seu próprio ventre

de renascimento

com as minhas próprias mãos

sem sombra

como em ofício de um enorme templo.


Sei que o canteiro vai nascer

e ser canteiro de verdes, de futuro,

eu sei que tudo vai renascer!


2013-09-28


in José Rodrigues Dias, Diário Poético (2012 - 2016), Livro quatro, 4/10 (Julho a Dezembro de 2013), 276 pp, 2020.


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Jrd, 2020-09-28

domingo, 27 de setembro de 2020

sábado, 26 de setembro de 2020

A chuva e a mãe-sorriso

 


A chuva e a mãe-sorriso


Quando finalmente a chuva começa a cair

pela madrugada 

no silêncio do bulício

é como se a sentisse

a acariciar levemente a terra seca do tempo

carente

humedecendo-a devagar,

pura e doce,

sem pressa,

continuadamente,

penetrando-a com o sentido do sagrado

para a fecundar

e ser outra vez mãe

e sorriso,

leite e pão,

regaço de rosas,

aberta a mão,

mãe-sorriso…


2013-09-26


in José Rodrigues Dias, Diário Poético (2012 - 2016), Livro quatro, 4/10 (Julho a Dezembro de 2013), 276 pp, 2020.


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Jrd, 2020-09-26

sexta-feira, 25 de setembro de 2020

Uma taça de luz...





Uma taça de luz...


O azul também no céu, apesar de tudo,

o verde intenso da azeitona virgem,

uma taça de luz em que me transmuto...


2015-09-25


in José Rodrigues Dias, Fiat Lux (no ano da Luz), 90 pp, 2015.


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Jrd, 2020-09-25


quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Ondas de luz

 


Ondas de luz


Testei muito os números,

experimentei fórmulas

que imaginei

na penumbra do mundo

e da noite

enquanto dormia.


Dúvidas e interrogações

em olhares de crianças,

rastos de deuses,

magias de loucos,

restos de dias,

sonhos de partidas,

começos de auroras…


O entardecer vindo,

filtro devagar,

o filtro apertado,

imagens remotas

do mar ao fundo

e ondas de luz

na orla dos corpos

enquanto livres me chamam

as gaivotas


e vou…


2012-09-24


in José Rodrigues Dias, Diário Poético (2012 - 2016), Livro dois, 2/10 (Julho a Dezembro de 2012), 238 pp, 2020.


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Jrd, 2020-09-24

quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Suor e chuva

 



Suor e chuva


Chegou pela madrugada

inesperada

e forte,

gretada já de tão seca 

a terra

como mão áspera 

de trabalho em pedra…


Figos pela manhã de pele gretada

pela chuva benzidos

crescidos desta terra,

que sempre o fruto 

em terra medra

se a mão 

em sorriso aberta

suor 

dá em rega…


2012-09-23


in José Rodrigues Dias, Diário Poético (2012 - 2016), Livro dois, 2/10 (Julho a Dezembro de 2012), 238 pp, 2020.


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Jrd, 2020-09-23

terça-feira, 22 de setembro de 2020

Equinócio do Outono

 


Equinócio do Outono

 

 

Menores eram as noites

e nos olhos talvez as sombras,

quase tudo se vendo com a luz do tempo

como as pequenas coisas de nada

e até os pequeninos seres decrescentes

e mesmo a fraqueza dos homens

em sorriso frágil disfarçada 

para além dos corpos estendidos

com a desnudada beleza

ao Sol…

 

Depois do colorido tempo

ressequido

outro tempo vem quase monótono

em tons e sons

e a senhora dona Lua de face prateada

ao Sol dourado clama por igualdade…


As árvores desfrutadas começam a adormecer

com o prenúncio de ida nas entranhas marcada

em voos de retorno anual

da passarada…

 

Por fim, não demora a tardinha a chegar

no caminho de um olhar da gente

talvez menos luminoso

e menos quente…

 

2012-09-25


in José Rodrigues Dias, Diário Poético (2012 - 2016), Livro dois, 2/10 (Julho a Dezembro de 2012), 238 pp, 2020.


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Jrd, 2020-09-22

segunda-feira, 21 de setembro de 2020

Diz-me o caminho…

 


Diz-me o caminho… 

 

 

Estou perdido,

diz-me o caminho, por onde é,

não vês que estou tão perdido?!…

Ontem eu sabia onde estava,

para onde ia, o que me esperava,

os caminhos, os carreiros,

as luas,

conhecia os deuses…

Não vês, agora não sei o que aconteceu,

o que me adormeceu de ontem para hoje

que aqui estou tão perdido e só,

só com os perdidos como eu,

 

entre novos deuses que não sei quem são

e como assim da noite

sombrios e distantes vieram da escuridão…

 

Estou perdido, sem luz,

não vês?!…

 

Diz-me tu o caminho,

estou com medo, por onde devo ir,

por onde faça sentido…

 

2012-02-01

 

in José Rodrigues Dias, Poemas daquém e dalém-mar,
178 pp, 2016.

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Jrd, 2020-09-21


domingo, 20 de setembro de 2020

Dos mistérios

 



Dos mistérios

 

 

Olha-me só, ambos em silêncio,

eu uma flor aqui assim tão simples

e a complexidade dos mistérios!

 


José Rodrigues Dias, 2020-09-20


sábado, 19 de setembro de 2020

Mudar a pensar

 



Mudar a pensar


Quanto caminho tens por certo a percorrer!

Quanto caminho tens para cair e te erguer,

podendo tal tanto não te acontecer 

se tal fosse o teu querer bem querer!


Quantos, sentidos fortes como tu, contigo, não serão 

os que, como tu caindo, convencidos no caminho,

caindo, nunca mais talvez se levantarão,

porque não sabendo ainda como o fazer poderão!


É que, sabes, digo-to eu agora, divertido mas preocupado,

olhos fixos nos olhos e olhos no passado,

grande pode ser o ser físico do teu presente pujante te parecer;

mas, medita e acredita mesmo, pequeno poderá ainda ser 

o saber do teu inebriado jovem ser, talvez pelo vão poder, 

porque tempo não pudeste ainda ter para mais ter!

Muito poderás ainda ter que ver, 

calado, ouvindo no silêncio, a pensar,

a interrogar-te, a duvidar, 

a pensar muito e a muito aprender,

ouvindo o silêncio a ensinar-te a conhecer,

e a conhecer-te, a apreender!


Mais tarde, depois, no iniciar da tarde de um certo dia, 

no teu justo e chegado dia, se chegar, se ele te chegar...,

saberás o que bem fazer em cada novo dia!

Não o fazer de força física feito, 

que depressa, vais ver, ficará desfeito,

mas o fazer de saber amadurecido em cada dia!


Lembra-te, se isso aprendeste e já esqueceste,

ou (ainda) não viveste, 

do velho Ancião, imponente, talvez já doente, 

talvez tua Mãe, teu Pai talvez,

no seu lugar, que ninguém ousa sequer pensar ocupar, 

ausente e presente, a tribo à volta do fogo ardendo,

calado, respeitado, observando, ouvindo, respeitando, 

mas, por fim, Sábio, ponderando e justo decidindo,

com a luz do fogo iluminado, iluminando!


Sábio, Ancião, 

o jovem caído levantando, 

com ternura aconselhando,

talvez tu, se olhares, 

o Futuro olhando!


Talvez tu, tu,

com amargura,

com doçura!


Talvez tu!    


in José Rodrigues Dias, Braços Abraçados,  82 pp, 2010.

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Jrd, 2020-09-19


sexta-feira, 18 de setembro de 2020

Lugar vago



Lugar vago


Vago o teu lugar, vazio

ao lado do meu

mas é o meu coração

sem o teu

que está só

neste tempo de frio

sem o calor da luz

desta inacção


sem pinga de sangue

que a mim mesma me mete dó,

parada, tão exangue…


Nestes tempos de sombra

que de tanta luz foi em arco-íris

correntes de água límpida,


esta minha dor 

agora faz-se de ausência

e a água turva…


Parada, essa corrente

faz-se muda, nada muda,

como morta, demente…


Além, só aquele poente

com um último aceno de luz

em frio de cinza doente…


Que coisa nos aconteceu,

que diabo de palavra se deu,

que deus o teu e o meu…,


que diabo se deu

que o chão todo 

a água o comeu…,


eu com esta fome de ti,

coração o meu só que só chora

desde que foste embora,

que não ri,

eu só, 

tu como se fosses pó

vagando pelo céu fora…


Olha, onde estás?...,

lembras-te como foi sonhada

e por nós feita

a lavra inteira da terra

nesta água de mel e pão

que nos lavava

quando nos amando

em onda ritmada

nos levava

e agora aqui este tempo de colheita

sem grão...,


eu aqui assim parada

tão em vão

sem vontade de nada…


Olha, onde estás?...,


que está o teu lugar vago

e este meu coração vazio aqui

tão só e mesmo assim tão cheio de ti,

louca ainda mais louca por ti,

por aí tu agora vagando…


De mim tu sempre serás,

nós pelas águas pelo vento bolinando,

juntos por tudo seremos,


o amor ainda nós o temos,

venha deus ou o raio do diabo

que um só nos manteremos…


2014-10-18 


in José Rodrigues Dias, Poemas daquém e dalém-mar,

178 pp, 2016.

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Jrd, 2020-09-18


quinta-feira, 17 de setembro de 2020

A chuva, tanta coisa!

 


(Poema do vigésimo livro; foto de hoje).


A chuva, tanta coisa!

 

 

É noite, chove,

começa a chover muito,

terno

o amor perto!

 

Lembro-me do calor,

do leito,

do leito de um rio

que de pequenino se faz

ao caminho,

da evaporação,

do leve que sobe

e do vento que o leva,

do frio que o condensa em neblina,

do que cresce

e do peso

que desce,

 

e aparece a maçã de Newton

(dizem que era uma maçã),

e ainda a imagem de Galileu Galilei

de Pisa

sentado em Florença,

pisado,

admoestado,

e, aqui, vejo os homens

como luz que guia

e como sombra, 

uma sombra negra

que a luz desfaz…

 

Chove ainda mais,

a água da chuva

que agora cai

é pura

ou quase pura

(digo quase porque nada será puro

porque há poeiras em tudo)

e imagino que a água corre para um rio

e que no rio se baptiza

e se lava

e,

se o sujo lavado,

se é outro,

como num reset

iniciado…

 

Chove,

terno

o amor perto,

e pergunto-me ainda que mão

puxa o vento

e quem num sopro

iniciou o tempo!...

 

2013-10-22


in José Rodrigues Dias, Diário Poético (2012 - 2016), Livro quatro, 4/10 (Julho a Dezembro de 2013), 276 pp, 2020.


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Jrd, 2020-09-17

quarta-feira, 16 de setembro de 2020

Um cibinho só de toucinho



(Poema integrado no livro anterior, o décimo nono)


Um cibinho só de toucinho

 

 

Era naquela gaveta,

sim, naquela gaveta do lado esquerdo

da mesa grande da sala

que dava para trás

para o horto onde estava o olmo

em casa do Ti Cândido.

 

Não sei porquê,

a porta da nossa casa

estava fechada.

 

Era Primavera ou Verão,

não me lembro,

tinha eu ido para o campo

para os lados do cando

não me lembro a fazer o quê…

 

Estava naquela gaveta

do lado esquerdo

da mesa grande

um cibinho só de toucinho

num tom branco já meio amarelado

do tempo…

 

Foi raio de luz

que ali se acendeu

e me iluminou

e me encheu

com a imagem do mundo

que sempre me acompanhou…

 

Era um cibinho só de toucinho

que foi marca gravada em garoto

em momento raro de fome,

que sorte a minha…,

que me ficou…

 

Do tamanho do mundo

era um cibinho

de toucinho…

 

2013-04-10


in José Rodrigues Dias, Diário Poético (2012 - 2016), Livro três, 3/10 (Janeiro a Junho de 2013), 266 pp, 2020.


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Jrd, 2020-09-16