segunda-feira, 28 de setembro de 2020

Uma sementeira sagrada, ofício de templo

 


Uma sementeira sagrada, ofício de templo


Semeei durante a tarde

verdes, variegados,

de estações que hão-de vir

em sentido concreto não figurado


porque se até um poeta precisa de comer

para que possa em si nascer o ainda encoberto

que dizer de mim ou doutro ser qualquer…


Amanhei a terra

e transpirei

(só lhe faz bem, diz o senhor Doutor)

enquanto certas coisas eu as ia pensando

e lembrando de antigas transcendências,


sentindo o Sol e a chuva por ali

em pacto entre si respeitado,

breves ou longas intermitências,

como se em discreta oferenda,


dádiva ao homem, pequeno ali,

que os olha, baixando e levantando o olhar

em sinal de respeito, dentro de si,


olhando quase como um tolo

sem nexo, eu sei, 

e sem resto de razão,

dir-se-á um homem que se olha grande

mas que nunca na terra

um só grão

um dia só, um só, semeou…


Semeei um canteiro de futuro

quando as sementes

as entreguei quase religiosamente à terra

e as envolvi no seu próprio ventre

de renascimento

com as minhas próprias mãos

sem sombra

como em ofício de um enorme templo.


Sei que o canteiro vai nascer

e ser canteiro de verdes, de futuro,

eu sei que tudo vai renascer!


2013-09-28


in José Rodrigues Dias, Diário Poético (2012 - 2016), Livro quatro, 4/10 (Julho a Dezembro de 2013), 276 pp, 2020.


* * * 


Jrd, 2020-09-28

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