sábado, 23 de novembro de 2019

Naquele tempo, eu criança, a Luz…


Terceiro livro de Poesia (2015).


Naquele tempo, eu criança, a Luz…


Teria eu doze ou treze anos…
Catorze?... Talvez não…
Não havia luz eléctrica,
a luz era a do Sol, da Lua,
do azeite na candeia, do petróleo
e era a daquela pedra
mágica
no candeeiro
que com água ardia
como ardia em furo de batata crua,

nós, Mãe,
ao lume em espera,
nós, Pai,

a noite longa no olhar…

E era a luz das estrelas, de Guerra Junqueiro…

Assim em Talhas, a minha aldeia,
era assim,
eu, nós, tudo, o tempo todo escuro…

E eis que uma pilha de pequena lanterna
e um pequeno circuito eléctrico construído
de eu o ter no Porto no colégio aprendido,

e eis que uma luz, primeira,
no meu quarto, iluminado,
eu fascinado, luzia, pioneira,

naquele tempo, eu, garoto,
a aldeia com luz de candeia,
eu, assim, tão límpida a luz…

Algum tempo depois
(dois, três anos?...,
talvez, quem sabe…,
se já lá vão cinquenta anos!…),

e eis na aldeia a electrificação
e o momento da inauguração…

Olhei, então, e fixei uma lâmpada,
era ali junto à Igreja,
era a noitinha,
nem se via
nem deixava de se ver,
era noite e era dia…

E eis que a minha lâmpada não se acendeu
(as outras, sim, porque o oh! da gente
logo aí aconteceu,
quente...),
aquela lâmpada, que fizera minha,
ali junto da casa de Deus, não se acendeu
e nunca eu soube o porquê,
logo eu, exactamente…

Que sombra de nuvem negra a teria encoberto,
logo ali, logo naquele momento, aquela minha luz
que no meu quarto eu antes a tinha descoberto?…

Repara,
digo-me agora em templo,
aí tens!

Creio que vem daí
o fascínio do teu olhar
pela coisa da Luz,

de certos encontros
o caminho,
e de desencontros,

à procura da alteridade
em ti, no outro,
em mim, em liberdade…

2015-06-01


in Fiat Lux (no ano da Luz), Ed. de Autor, 90 pp, 2015.


* * * 


Jrd, 2019-11-23

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