terça-feira, 3 de novembro de 2020

Esperando a partida

 



Esperando a partida



És um velho barco de vela

içada bela 

no areal

esperando a partida

(o ok final)

para de novo te pores a navegar

depois de mãos e braços lavados,

bebido, comido, teus rasgos remendados,

recuperados os destemperos do sono

e as noites frias sem amar,

ali sem o amor…,


e navegar de novo, firme na mão o leme,

no silêncio das velhas estrelas ainda acordadas

quando o dia se faz à noite e se espreme,


ou nesse suor que escorre salgado

do Sol que a gente teme

ainda que no chapéu  largo coado…


És barco, talvez avião a jacto no terminal

pronto para voar

e daqui me levar

para outro porto sem qualquer ponto final…


Eu sou o ser concreto que espera a luz de outro dia

(eu sei que a Luz é una mas é em arco-íris),

sou como se fosse um outro tipo de barco

ou talvez um outro tipo de jacto,


o mundo o de outro Sol

ou de outra estrela,

para uma nova partida,


pêndulo contínuo de procura de pão

com o velho atrito eterno da mão,

perpétuo o caminho em movimento,


primeiro, restrito de o ser o conhecimento

e, depois, harmonia de rio que se amplia 

quando o rio se faz estuário de sabedoria…


Serei (terei já sido?...) eu como tu,

meu velho barco no areal

temperado pelos ácidos do tempo,


ou como tu, meu novo jacto,

outra a Luz, outro o Sol,

largando uma efémera carga,

 

a carga supérflua de certos incertos números,

excluindo esses de ouro em fórmulas mágicas

com uma simplicidade que sempre me brada

que em certos cantos por aí tanto me agrada,


para me lançar de novo num mar

ou ao ar, tanto mar que há e ar!...

(a terra pode ela sempre esperar),


em busca de dispersas e velhas letras

para o poema de uma canção nova

de velhos números e de novas letras,

o poema erigido como templo novo,


porque o ser soma limite integral, inteiro,

é um ser feito de tudo, de todas as parcelas,

é o ser de todas as partes dispersas feito,


de sabiamente unidas o uno ser refeito

e ser feito

um ser quase que divinamente perfeito…


2014-11-03


in José Rodrigues Dias, Diário Poético (2012-2016), Livro seis, 6/10 (Julho a Dezembro de 2014), 188 pp, 2020.


* * * 


Jrd, 2020-11-03


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