terça-feira, 3 de março de 2020

De alfa e ómega




De alfa e ómega


Aqui estou eu vendo-vos passar,
um ou outro cheirando a peixe miúdo,
os outros a sal de saborear o mar,

eu, uma pequena e pobre flor nascida
vendo enorme uma bola nascendo lá no pinhal
sucumbindo depois engolida pelo mar...

Nem querida nem amada,
eu, na vida aparecida
e por vós até espezinhada...

Um dia sou esta flor nascendo
vivendo cada dia, olhando a bola grande,
um dia por fim aqui morrendo...

Pois se até mesmo aquela enorme bola
que de manhã no pinhal rumorejando vejo nascer
pela tardinha no mar a vejo desfalecer

e que depois no dia seguinte
outra bola, em tudo igual, chamam-lhe sóis, 
vai nascer e também morrer...

E morrer decerto como eu um dia,
por isso a vida
a vivo aqui tranquila sem agonia...

E tu, que em mim reparaste
e que me olhas assim com esse olhar de irmão,
que, pobre, de mim gostaste,

olha o nascer e o pôr de um sol
mas arrefece no mar as perguntas de alfa e ómega
e sente tranquilamente este sul...

Sim, mas como, sem a amargura de fel
na crueza das dúvidas do caminho e das mentiras,
como saberemos do doce sabor do mel?...

2017-03-03


in  José Rodrigues Dias, Poemas em tercetos simétricos, diarísticos (Janeiro a Março, 2017), Ed. Forinfor, 132 pp, 2017.


* * *

Jrd, 2020-03-03

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