As palavras fraternas
Quando o tempo pela mão me leva
e me puxa
mesmo sem eu querer
e mesmo quando não é tempo
nem de luz suave nem de suavizadas sombras
e é mais tempo de fortes tempestades
em que as vontades rapidamente se perturbam
e violentas logo se alteram,
eu gosto de conversar com as palavras
e gosto cada vez mais,
devo aqui confessá-lo,
como agora se diz,
em registo de interesses meus.
Gosto de conversar com as palavras,
dizia eu,
mesmo quando o pescoço já me dói da posição
(alguma coisa sempre nos dói),
porque me levam com a subtileza
de quem sabe bem os caminhos todos
e todos os atalhos
de um saber de andar feito
(e eu sei isso bem de ser professor),
sem sequer haver sinal de esforço meu
e quase sem eu me aperceber,
ficando então mais aberto,
liberto,
sendo mais uno o pensamento,
o homem
e o próprio sentimento…
Gosto de conversar com as palavras
para me conhecer melhor
através delas,
conhecendo-as inteiras mais de perto
com as verdades dos seus olhares facetados
e interrogando-as,
para as discussões sérias dos homens
onde o preto não é branco
e o branco não é preto
mas onde quase tudo
(com a ressalva do quase),
tudo
é uma síntese ainda imperfeita
de sons de palavras fraternas
que se reúnem a sós
onde a palavra livre circula
e depois circula liberta entre nós
e eu, sem ruído, gosto de saber disso
vindo directamente delas
e de com elas aprender,
compreendendo-as,
partilhando também das suas dúvidas
e angústias
e dores
de existência
e até de um parto difícil
como eu próprio já vi…
2013-09-27
in José Rodrigues Dias, Diário Poético (2012 - 2016), Livro quatro, 4/10 (Julho a Dezembro de 2013), 276 pp, 2020.
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Jrd, 2020-10-13
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