terça-feira, 13 de outubro de 2020

As palavras fraternas

 



As palavras fraternas



Quando o tempo pela mão me leva

e me puxa

mesmo sem eu querer

e mesmo quando não é tempo

nem de luz suave nem de suavizadas sombras

e é mais tempo de fortes tempestades

em que as vontades rapidamente se perturbam

e violentas logo se alteram,

eu gosto de conversar com as palavras

e gosto cada vez mais,

devo aqui confessá-lo,

como agora se diz,

em registo de interesses meus.


Gosto de conversar com as palavras,

dizia eu,

mesmo quando o pescoço já me dói da posição

(alguma coisa sempre nos dói),

porque me levam com a subtileza

de quem sabe bem os caminhos todos

e todos os atalhos

de um saber de andar feito

(e eu sei isso bem de ser professor),

sem sequer haver sinal de esforço meu

e quase sem eu me aperceber,

ficando então mais aberto,

liberto,

sendo mais uno o pensamento,

o homem

e o próprio sentimento…


Gosto de conversar com as palavras

para me conhecer melhor

através delas,

conhecendo-as inteiras mais de perto

com as verdades dos seus olhares facetados

e interrogando-as,

para as discussões sérias dos homens

onde o preto não é branco

e o branco não é preto

mas onde quase tudo

(com a ressalva do quase),

tudo 

é uma síntese ainda imperfeita

de sons de palavras fraternas

que se reúnem a sós

onde a palavra livre circula

e depois circula liberta entre nós

e eu, sem ruído, gosto de saber disso

vindo directamente delas

e de com elas aprender,

compreendendo-as,

partilhando também das suas dúvidas

e angústias

e dores

de existência

e até de um parto difícil

como eu próprio já vi…


2013-09-27


in José Rodrigues Dias, Diário Poético (2012 - 2016), Livro quatro, 4/10 (Julho a Dezembro de 2013), 276 pp, 2020.


* * * 


Jrd, 2020-10-13


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