Eu, a enxada e o poema
Enxada grande,
de outro tempo, de calejar a
mão,
assim é a minha,
o sentido cristalinamente
puro,
duro
o chão
de onde em suor arranco o pão,
não exactamente o pão feito de
grão
mas é como se pão
para a boca fosse
grão a grão
e que sabor a doce
no fim do suor salgado
de tanto e tanto passo meu
dado,
este meu pão agora aqui é esta
batata
que há uns três meses semeei
e que agora com a enxada
da terra arranquei,
quer dizer, vou arrancando
enquanto com os braços subindo
e descendo
este caminho vou andando...
Eu sei, eu sei...,
olha o gajo...,
dizes tu,
olha o gajo...,
eu sei
que tu talvez nunca tenhas
visto enterrada
a batata nascida da tua
mão,
eu sei,
na terra arada,
eu sei, no chão
em sagrada multiplicação
do pão, eu sei...
E quem sabe, talvez um dia...,
um dia talvez o tempo to
traga
e na mão um dia de alegria...
Eu, em silêncio recolhido,
de cada batata semeada
como de palavra lançada
sinto um poema colhido!
2016-06-17
in José Rodrigues Dias, Da semente, 254 pp, 2018.
Jrd, 2020-06-09
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